quinta-feira, 8 de maio de 2008

CORAÇÃO ADOLESCENTE! (VI)

Cinco E Vinte Da Tarde ... (I)

O caminho do sangue pelas minhas veias tornava-se difícil, e a função dos meus sentidos desvanecia. Já não sinto o teu perfume, já não recordo o sabor da tua boca na minha, esqueci por momentos a cor avelã dos teus olhos.

Eram cinco e vinte da tarde e seguindo a rotina habitual foquei o meu olhar no teu. E foi então que eu vi. Para mim a vida perdeu o sentido, se é que alguma vez existiu um. A passagem do sangue pelas minhas veias tornou-se difícil, e nas artérias, Oh!, aí era quase impossível. O meu coração batia com mais força, com uma intensidade bruta, mas eu sentia falta de vida, sentia-me vazia de mim.

Eram cinco e vinte da tarde e vi o teu olhar no dela. Os teus olhos tinham um caminho traçado e nada ia mudar isso, estavam perdidos na imensidão do seu corpo e reflectiam a alegria que te ia no coração.

Eram cinco e vinte da tarde. E tal como um dia fizeste com que me apaixonasse por esse teu olhar, nesse dia, às cinco e vinte da tarde, mataste-me com ele.

Cinco E Vinte Da Tarde... ( II )


O aperto no meu coração era cada vez mais forte à medida que proferias tais palavras, à medida que via os teus lábios mexerem em direcção à rejeição. Eu já o sabia. Sempre o soube, e na minha cabeça sempre o tentei adiar, mas eu sabia, sabia mesmo que mais cedo ou mais tarde ia acontecer. E foi nesse dia que eu percebi, que apesar de meio ano de espera tudo fora em vão, nada passara de uma paixoneta para ti, percebi nesse dia que tudo o que eu te dei foi um pensamento soltado no ar, deixado vaguear sem destino. Foi nesse dia que a razão me atingiu o coração, que a razão guardada na minha mente chegou ao destino. Foi nesse dia que percebi que tu morreras, e que não havia nada que te acordasse dos mortos.

As lágrimas escorriam-me pela cara, cortavam como facas, rasgavam os meus lábios e punham um amargo salgado na minha boca, que fazia lembrar o toque da tua língua, e que fazia com que mais ainda se formassem. Secava-as em vão, nada fazia com que parassem, a dor dentro de mim era intensa e bruta, e não parava, era cada vez pior, mais agoniante, mais dolorosa. E de repente senti-me desidratada, já estava a chorar há cerca de três horas, mas perdi por completo a noção do tempo. As lágrimas secaram, já tinha esgotado todas as reservas líquidas do meu corpo, e caí no chão, mas a minha alma ainda doía, ainda chorava. O chão estava mais duro do que sempre, parecia mais impenetrável do que sempre, e a luz esbatia-se, ao longe, fugia de mim, eu era um repelente de alegria, um repelente de um mínimo de felicidade. Parte de mim morrera naquele dia, às cinco e vinte da tarde, naquele dia que deveria ter sido um igual a tantos outros, mas foi Aquele Dia, e eram Cinco E vinte Da Tarde.

Abri os olhos. Não sei quanto tempo dormi, parecia-me já não existir tempo. Olhei para o relógio e eram cinco e vinte da tarde, outra vez cinco e vinte da tarde, e num gesto instintivo coloquei a mão no peito. Não sentia o bater do coração, sentia-o longe, sentia que já não o tinha dentro de mim. Senti um vazio inexplicável dentro do meu corpo, porque era mesmo assim, eu já não passava de um corpo. O coração já lá não estava, já alguém o havia levado, e não fora durante o meu sono, já havia sido há muito tempo. Levantei-me, mas faltava-me força. A minha pele ardia, os meus lábios estavam secos, e toda a água, a fonte da vida, estava perdida de mim. Arrastei-me para outra divisão da casa, mas doía-me o peito, e o esforço intensificava a dor. Queria chorar mas não conseguia, estava tão vazia de água como de vida. Bebi. Bebi como se a continuação do mundo dependesse disso, bebi como se fosse a última vez que via água, bebi como se mais nada importasse.A minha pele começava finalmente a recompor-se, a ganhar cor outra vez, a deixar arder. Os meus lábios estavam carnudos de novo, o meu corpo começava a receber vida, mas o meu coração continuava sem bater. Continuava a senti-lo fora de mim, continuava aquela dor aguda no meu peito, e teimava em ficar. Quando voltei com a mente à realidade, senti medo, medo de tudo o que se tinha passado, eu não conseguia compreender o que se passava comigo, não conseguia compreender a ausência do meu coração, a dor no peito e o vazio do meu corpo. Olhei-me ao espelho, e tudo estava igual. Tinha a mesma cara de sempre, o mesmo corpo de sempre, mas o coração permanecia fora de mim e a dor no peito teimava em ficar.Lembrei-me de ti, do teu olhar amendoado, do teu cabelo doirado e da tua forma de andar.

Lembrei-me desse teu ser, dos teus lábios perdidos nos meus, do teu perfume e das tuas mãos enlaçadas nas minhas. Lembrei-me do dia em que me disseste que eu era tudo de ti. Lembrei-me das cinco e vinte da tarde passadas contigo, e lembrei-me também do último olhar que me dirigiste. E tive vontade de chorar, na verdade eu tentei produzir lágrimas, mas o meu peito doía demasiado, e não tinha forças para tal, não tinha capacidade para desperdiçar água do meu corpo. Mas a minha alma, essa chorava, essa não ia parar nunca, essa sentia a falta do teu ar a todos os segundos. A certa altura senti a respiração difícil, e percebi que tal facto se dava porque o ar, o ar que eu respirava já não era respirado por ti. Doía-me o peito e a entrada do ar porque o ar, o ar que me entrava já não te entrava a ti também, porque tu estavas morto, estavas morto e nada te iria fazer voltar. E foi nesse momento, em que eram cinco e vinte da tarde, que percebi que a dor no peito ia ser eterna, porque não havia nada que te acordasse dos mortos.

E hoje a dor no peito ainda a sinto, ainda dói como no primeiro dia, e são cinco e vinte da tarde outra vez . Mas apesar de tudo, as reservas de água esgotaram-se, e também foi para sempre. E talvez tenha sido por isso, por pedido do meu corpo, do facto de eu ser Humana, que fez com que hoje, às cinco e vinte da tarde, eu desistisse de Ti. E isso também para sempre.

VERA MATIAS, 15 anos

9 comentários:

renard disse...

http://allineedtoleavebehind.blogspot.com/2007/12/cachopa.html

Não sei se servirá o propósito do tema da adolescência mas sentia-me uma quando escrevi este post. Deixo a seu juízo o valor do texto.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Vera, tenho mais 50 anos do que tu. E senti-te tão claramente! Escreves maravilhosamente mas o que me interessa dizer-te agora é o seguinte: parece impossível, mas um dia vais, pelo menos, sorrir desta dor de agora. O Tempo, minha Querida, é um curador emérito! Não acreditas, talvez, mas, peço-te, deixa ficar a Esperança. Não nele, mas no Amor. Porque Ele te aparecerá novamente, fonte de alegria e de vida. Porque, minha Querida, como diz o sapateiro Felipe, espanhol emigrado no Brasil, a Josué, professor jovem, amante e abandonado, "o Amor só é eterno porque nasce um novo Amor em cada dia". Estes dois, para que não me julgues louca, são duas personagens do romance "Gabriela, Cravo e Canela", de Jorge Amado.
Tens 15 anos! Que maravilha ter 15 anos! Não os percas, não deixes que tos roubem. Um beijinho da Avó Pirueta

Anónimo disse...

Vera, voltei, para te dizer que se o teu texto for apenas uma criação literária, mereces os meus cumprimentos. Se, felizmente, aquele cinco da tarde não aconteceu contigo, ainda bem. Mas aproveito para te dizer que a receita do Tempo te será sempre útil... Um beijinho e acredita!
Avó Pirueta

Anabela Magalhães disse...

É de facto um texto belíssimo, este, escrito pela Vera Matias.
Esta explosão de sentimentos, este vulcão em forma de Vera, é um momento alto do aprender a lidar com estes mesmos sentimentos.
Beijocas grandes para ti e um obrigada ao Raul por publicá-lo aqui, no lugar onde também mora.

Anónimo disse...

Nao quero entrar em polémicas, mas o seu comentário de 07.08., a respeito das "unintended consequences", surpreendeu-me!!!

Leio com o maior interesse e prazer os textos "coracao adolescente".
Com uma pontinha de vergonha mando-lhe o apelo que fiz ao jovens, quando tinha 15 anos. Foi publicado no jornal "Républica". Ainda exixte esse jornal?

JOVENS!
ABRI AO AMOR
A VOSSA ALMA DORIDA
E COM A ALEGRIA
DE QUEM É JOVEM E FORTE
AMAI A PRIMAVERA,
AS FLORES,
A VIDA!

BC disse...

Olá Vera!
Li com grande emoção o texto maravilhoso que escreveste, "ninguém tem 15 anos," poucas pessoas escrevem assim com a tua idade, continua.
Nunca te esqueças que ainda és muito novinha, e se o que escreves no texto não é fictício, não te esqueças que depois de um grande amor, vem sempre outro grande amor.
E são esses grandes amores que nos levam até ao princípe,e o que fica para trás é evidente que marca, mas é isso que nos ensina a fazer
na altura a escolha certa...

Raul Martins disse...

Teresa, vou colocar o seu pequeno texto em post numa nova rubrica que vai ser "Adolescência... O olhar dos pais". Quanto ao comentário que refere talvez não tenha sido claro. Quando eu digo "torço o nariz" àquela perspectiva é no sentido de que não estou preocupado com isso; nós também partimos para outros povos e mundos e , apesar de questões negativas, foram mais as coisas positivas. Mas o que é certo é que há uma nova realidade na ordem mundial, e o que vai sair daí a ver vamos! Em relação ao povo chinês apenas lamento a pouco aberta que há em relação às questões dos direitos humanos, nomeadamente das mulheres e crianças. Peço desculpa de alguma má interpretação que possa ter deixado. Mas graças a Deus há pessoas atentas e nos ajudam a ver melhor as coisas.
Hoje li o texto do "não consigo" à turma do Gui. Gostaram e o Gui ajudou com pertinentes comentários. Ele certamente lhe falará disso.
Não sei se ainda existe o jornal que refere.

Raul Martins disse...

renard, vou colocar o texto que referes em poste mais acima.
Obrigado.

Anónimo disse...

linde...linde e linde....
atão na é ca xorei? até li pá nha maria e quela vai rezar pá vera ter munta corage cainda é uma criença. muntes beijinhes pá vera