
E tudo isto porque ontem, fazendo horas para ir buscar o meu filho ao treino de andebol, depois de ter estado em amena cavaqueira com um amigo de longa data, apareceu-me o V.D. que, sem demora, disparou: “Nem parece teu… Estavas a conversar com aquele sujeito? Ainda nas últimas eleições apoiou o J.T. (lista concorrente à que eu integrava) e disse…”
Não querendo perder tempo com tamanha barbaridade e insanidade mental, disse-lhe que me desculpasse mas que eram horas de ir buscar o meu filho. E aquilo ficou-me a remoer as entranhas. Já há uns dias atrás outro companheiro aqui do burgo me tinha alertado sobre um outro amigo: “Sabes que ele é Testemunha de Jeová? Anda muitas vezes pela minha rua. É preciso ter cá uma lata!” E lembrei-me de Torga: “O que é pena é que neste areal da vida, onde cada um segue o seu caminho, não haja nem tolerância nem humildade para respeitar o norte que o vizinho escolheu.”
Poia a chuva quando cai, cai no meu quintal e no quintal do meu vizinho; o sol que brilha no meu quintal, brilha no do vizinho também; podemos beber, cada qual do seu lado, do riacho que divide o meu quintal do quintal do meu vizinho, mas bebemos a mesma água. Eu acredito em Deus e que Deus é amor e de mãos abertas. Nós é que muitas vezes fechamos a mão querendo esconder Deus nela, só para nós, quietinho, bem ao nosso jeito. Mas “Deus é aberto, nós é que o fechamos”, como gosta de dizer o padre Zézinho.
E respeito, respeito muito, quem pensa diferente, quem tem as suas crenças, as suas convicções e luta por elas.
Nesta vida, temos que aceitar o caminho que cada um pretende seguir, seja no campo religioso ou político, pessoal e profissional... desde que não coloquem em causa valores e direitos do Outro. “ A liberdade (e a diferença) tem de passar por aqui”: tolerância e humildade para “respeitar o Norte” que cada um escolheu.
ADENDA: 24.01.2010: A talhe de foice, do cantinho da Marga:
"Como é vazia a existência dos que se intrometem nos assuntos alheios imiscuindo-se na vida dos outros!
Invadem a privacidade alheia com o único propósito de preencherem um pouco a sua, destituída de interesse"
Almudena de Arteaga
in "A Princesa de Éboli"