domingo, 6 de novembro de 2011

O TESOURO!



O “garimpeiro” que tinha ficado hospedado em minha casa, partiu assim que a primavera se fez anunciar com o cantar dos primeiros pássaros e a neve já não se vislumbrava no alto das montanhas. – “Era a altura ideal para partir." Dissera quando se despediu, depois de pagar à minha mãe o que fora acordado no início do inverno para permanecer em nossa casa enquanto esperava pela primavera.

Enquanto esteve connosco, o “garimpeiro” falou-me dos seus sonhos de encontrar um tesouro, assinalado num mapa que me mostrou e que tinha encontrado, algures, numa das viagens que fizera por terras mais a sul. O mapa assinalava que o tesouro ficava para norte mas o seu desenho era muito confuso. Tentou convencer-me a partir com ele mas disse-lhe sempre que era ainda muito novo e que os meus pais precisavam de mim.

Mas o facto de não ter ido com o “garimpeiro” à procura do tesouro dos seus sonhos, não deixou de me inquietar. As palavras, “não queres partir comigo à procura do tesouro que está neste mapa”, que ele me dissera, assim como a imagem do mapa que ele tinha, não desapareciam da minha mente. Até a dormir, a imagem do garimpeiro, as suas palavras e o mapa, não deixavam a minha mente em paz.
À minha volta todos começaram a reparar no meu olhar inquieto e na tristeza que o meu rosto – diziam – fazia transparecer.

- Que se passa, Luar? Nunca te vi assim. Disse-me o meu amigo Áquila.

Expliquei-lhe o que se passava comigo mas ele não compreendia para que queria eu um tesouro. “Para viajar; conhecer novos mundos, comprar o que desejamos...” Ia-lhe dizendo mas não o convencia. Áquila, lembrou-se, então, que ouvira falar de um homem que vivia na montanha que ficava a oriente da aldeia – era a mais alta das montanhas que ali existia – e, dizia, era sábio e ajudava as pessoas que a ele recorriam a pedir ajuda e conselhos, ainda que ninguém soubesse bem onde morava. “Mora algures na montanha e só muito raramente descia à aldeia.”, era o que diziam.
E Áquila convenceu-me a procurar o tal sábio da montanha e prontamente disse que iria comigo. Resolvemos ir à sua procura na manhã seguinte. E assim foi. Com algum pão, um naco de presunto, algumas azeitonas e água, partimos logo que os primeiros raios da manhã surgiram.

Fomos subindo pela montanha, seguindo um trilho que existia à beira de um riacho que por ela serpenteava, apreciando o colorido das flores que começavam a despontar ao sabor do cantar dos pássaros que dançavam por ali, alegrando a nossa caminhada. Depois de termos subido durante algumas horas montanha acima, resolvemos sentar-nos à beira de uma laranjeira para retemperarmos as forças e comermos qualquer coisa. Quando nos preparávamos para retomar a caminhada, sentimos uns passos vindos do outro lado do riacho e notamos a presença de um homem já com uma certa idade que nos disse:

- Estava à vossa espera e já vi que se retemperavam da vossa viagem. Disse o velho homem.
Fiquei admirado. “Estava à nossa espera!” Como era possível? Saberia ele o que se passaria com a vida das pessoas? Seria um adivinho? Ter-lhe-iam dito que viriamos à sua procura? Não, ninguém lhe poderia ter dito que viríamos, pois só eu e Áquila sabíamos que o procurávamos. Foram mil e uma interrogações que de mim se apoderaram.
- Está tranquilo, Luar. Ainda bem que o teu amigo Áquila te trouxe até mim. Tens sorte de ter um amigo assim. Não faças com que o teu coração fique mais inquieto do que já está. Sossega! Disse o velho homem.

Sabia os nossos nomes! Será possível. Será que nos conheceu dalguma das vezes que desceu à aldeia? – Sossega o teu coração. Dizia para mim próprio. Olhei para ele com mais atenção e o seu olhar sereno apaziguou o meu coração.

- O teu olhar é sereno e o teu rosto é alegre. Disse-lhe.

- O meu olhar é sereno porque estou em paz e o meu rosto é alegre porque sou feliz. Respondeu.

- Mas não vive aqui sozinho? Perguntei-lhe.

- Tenho a companhia de tudo o que me rodeia na montanha. Tenho vivido por aqui os últimos anos da minha vida e aqui permanecerei até ao dia da minha partida para outras paragens para além das estrelas e do infinito azul do céu. Raras vezes desço à aldeia. Sou um peregrino das montanhas e é aqui que vivo feliz. Não quer dizer que não tenha tristezas e amarguras e que por vezes sofra, mas a alegria é mais saudável e a felicidade que temos dentro de nós é cada vez maior quando a partilhamos com outros. Vou confidenciar-te uma coisa: “o teu coração está dentro de ti, é teu e pode estar a sofrer alguma amargura; mas o teu rosto pertence aos outros: deve procurar transmitir alegria e paz.” Mas vamos ao que interessa. Fala-me do que está a ocupar a tua mente e o teu coração e que não te deixa estar em paz.

Não sabia como começar. Mas já não saberia ele tudo o que se passava comigo? Interrogava-me. Mas lá lhe contei a história do garimpeiro e do tesouro que ele queria descobrir e a minha tristeza por não ter partido com ele.

- Porque queres tu ir à procura de um tesouro se tens um dentro de ti? Porque procuras por outras paragens aquilo que está dentro de ti, e é o maior de todos os tesouros? Disse o velho homem.

- Tenho um tesouro dentro de mim? Não percebo o que queres dizer. Como posso ter, dentro de mim, um tesouro? Interpelei-o.

- Sim… Dentro de ti… Bem dentro de ti, tens o maior de todos os tesouros. Descobre-o… Pensa no amor dos que te rodeiam: os teus pais, a tua família, o teu amigo Áquila; pensa na liberdade… Na paz que respiras… Os dons que a vida te deu… Descobre tudo isso em ti. Não há maior tesouro. Foi dizendo. - E deixa-me dizer-te o mais importante: o tal tesouro que o garimpeiro partiu à descoberta, ligar-te-ia apenas ao que é temporário e passageiro; o tesouro que trazes bem dentro de ti, e se o souberes preservar, liga-te a tudo o que é eterno.

- O tesouro que poderia descobrir com o garimpeiro ligar-me-ia apenas ao que é temporário e passageiro; o tesouro que trago dentro de mim, se o souber preservar, liga-me a tudo o que é eterno. Repeti para comigo mesmo.

- Bem… Por hoje chega. Regressem à aldeia.

E foi assim que eu e o meu amigo Áquila conhecemos o velho homem da montanha a quem começamos a visitar quando queríamos e podíamos e o apelidamos de "Mestre".



R.M. in "Luar e o seu Tesouro"