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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

NA PENA DE ROGER GARAUDY!


Um autor que me enche as medidas. "Palavra de Homem", um dos seus livros, foi editado entre nós em 1975. O exemplar que tenho é uma 2ª edição de 76. Já o tenho há mais de vinte anos. Tem já algumas folhas soltas, sem contracapa e está mais do que rabiscado. É um dos meus livros de cabeceira. Hoje fui revisitá-lo para complementar uma "Nota" de um belíssimo texto de Rubem Alves, Antes que o fio se rompa, que o JMA partilhou no Facebook. Rubem fala-nos da beleza da morte e da vida. Por isso estas palavras de Garaudy:

"Amo a morte tanto como amo a vida.
Porque são um todo.

A morte - falo da morte natural, após uma longa vida de trabalho e amor - não é um limite, uma negação da vida. Pelo contrário, a morte dá à vida o seu mais alto significado." (p. 37)
(...)
"Se o meu nascimento, para a criança que fui, não foi uma decisão pessoal e livre, deve sê-lo a morte para o velho em que vou tornar-me. Uma morte que não seja desespero, mas sim um acto nascido da minha própria vida, na plenitude da tarefa cumprida e do lugar aberto para outras vidas, no júbilo das criações nascentes à minha volta."
(...)
"E farei a morte como faço amor: com os olhos abertos', como escreve Aragon. De que se faz eco o poema de Rilke: 'Senhor, dá a cada um a sua própria morte, nascida da sua própria vida.' (p. 47).

In Palavra de Homem, 1976, D. Quixote

sexta-feira, 27 de junho de 2008

TEMPO DE VÉSPERAS!

Há textos que nos arrebatam e nos elevam; que nos fazem meditar e mexem com as nossas entranhas. Ontem, o meu bom amigo e colega André Sousa deu-me um desses textos. Belíssimo e profundo, do Médico e Professor Daniel Serrão. Sendo muito extenso, apenas vos deixo aqui pequeníssimos excertos do mesmo e convido-vos (se não for hoje que seja numa outra ocasião com mais tempo) a lê-lo na íntegra aqui (clicar). Aqui ficam os pedacinhos do texto:

Diga-me,
quanto tempo me falta
para morrer?

Era um fim de tarde calmo, de Setembro, e eu estava naquele quarto, modesto, de casa de pescadores do Mindelo, olhando bem nos olhos aquela jovem e recebendo, em cheio, toda a força da pergunta:
diga-me, quanto tempo me falta para morrer?
...
Não esperava esta pergunta, nem a serenidade com que foi feita. Apanhado de surpresa respondi assim:


- “Falta o tempo que tens para viver”.


E comecei a falar com palavras que me apareciam, vindas não sei de onde. E disse-lhe: “ a todos nós e não apenas a ti Maria C., o tempo que nos falta para morrer é o tempo que temos para nele viver, sem desperdiçar um segundo que seja. Não são as horas dos relógios mecânicos, nem é a sucessão dos dias e das noites, porque este planeta roda à volta da estrela que o ilumina, que fazem o nosso tempo, só o contam.
....
Este tempo vivido não tem que ver com o tempo dos relógios que tu, Maria C., querias que eu quantificasse para ti quando perguntaste – “diga-me, quanto tempo me falta para morrer?”
Desse tempo de relógios e da sucessão dos dias e das noites, quanto te falta, não sei. Mas sei que te falta, como a todos nós, usar o tempo de viver que é a criação nossa e tem, por isso, uma dimensão infinita.
Enquanto, na tua auto-consciência, te vês a dançar o Cisne vives o teu tempo da dança que não é o tempo físico da partitura. O Cisne desliza, eleva-se, rodopia e tomba, no tempo da memória visual que não é síncrono com o da representação real, em palco. O tempo vivido, como temporalidade, expande o tempo físico e amplia o espaço real dos acontecimentos percepcionados e memorizados. O palco em que danças Maria C. é um espaço imenso e o tempo que vives, dançando sobre ele, é quase infinito.
Mas nem só de dança viverá o teu tempo de viver.
Como ser vivo tens um lugar e um tempo no mundo natural. E o mundo natural é muito belo, muito rico e muito presente à nossa volta.
...
Lembras-te Maria C., de quantas vezes olhaste “para o calor dos campos com a cara toda” (Pessoa) e te sentiste feliz, sem nenhum outro motivo para estares feliz além deste que era o de estares imersa na natureza como simples coisa natural?
Lembras, que eu sei. Pois lembra-te e vive, com intensidade, esses momentos mágicos de comunhão com o mundo real natural, em que o corpo não pesará e o espírito tomará conta de toda a tua auto-consciência enchendo-a de bem-estar de paz.

...
DANIEL SERRÃO
In Cadernos de Bioética 42
Dezembro de 2006

Na íntegra, aqui.