terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Crianças para o Amanhã

Educação para o desenvolvimento e para a responsabilidade: uma forma de promover a disciplina.

Segundo Orlando Lourenço (1993, 1996), educar para o desenvolvimento e responsabilidade, é uma das maneiras de lidar com a crise de disciplina que tem invadido as escolas, a família e a sociedade. O que apresento de seguida são sugestões retiradas dos livros citados que dão pistas para a transformação das escolas em contextos mais criativos, inteligentes e justos. Portanto, para a transformação das escolas em locais onde a disciplina seja algo que se respire naturalmente e não bolsas de oxigénio atrás das quais tenhamos sempre que andar.

Não sejamos professores distraídos! O desenvolvimento dos alunos depende mais da nossa interacção com eles nas pequenas coisas da prática pedagógica do que de discursos “moralistas” que lhes fazemos quando parecem abusar da nossa autoridade.

“As pessoas aprendem quem são
e o que são
através da maneira como são tratados
pelas pessoas importantes na sua vida”
Zenita Guenter

Não nos afirmemos pelo poder! Isto é, não sejam professores autoritários ou que se afirmam pelo poder, nem professores permissivos e que deixam fazer tudo aos seus alunos; sejamos antes professores calorosos e exigentes, embora sem esquecer que a exigência deve ser adequada à idade do aluno.

“Aprende-se pouco
das pessoas que não são importantes para nós”
Zenita Guenter
Devagar que tenho pressa!... Respeitemos o ritmo de aprendizagem da criança e do aluno se queremos que eles venham a chegar longe. Educar para o desenvolvimento e para a responsabilidade não é ir depressa, mas chegar longe.

“...Vai-se pondo degrau após degrau,
até que atinja a maior altura possível
segundo a vocação
e a força que haja em cada um”
Agostinho da Silva

Justo sim, santinho não! Interessa mais ajudarmos o jovem a compreender o sentido da diferença, dos outros e de alguns princípios do que exigir-lhe que seja obediente e bem comportado. Interessa, enfim, que ele, e nós próprios, sejamos mais justos do que “santinhos”.
Bonitos? Claro que sim! A beleza ajuda ao desenvolvimento. Como querer que os jovens sejam bons e inteligentes, se não os educarmos para serem sensíveis à beleza?!

Castigar? Não, por favor! O castigo é uma óptima coisa! Desde que não utilizada! É ineficaz enquanto prática de socialização, causa mal-estar em quem o recebe e leva a contra-ataques.

O enigma da felicidade: Decifre-o! Se queremos ajudar a construir a felicidade de alguém, não podemos passar a vida a dar-lhe ordens, ainda que disfarçadas de pedidos. Estimulemos antes o seu sentido de competência e de controlo sobre as coisas.

“impõe-se, na nossa comunicação,
fazer crescer a apetência pelo saber,
a vontade de investigar e de criar...
cada um sentir-se útil e, por isso, melhor e mais feliz.”
J. Gil da Costa

Faça-o pró-social! Quem é altruísta e ajuda os outros, também ganha com isso. Educar os jovens para a responsabilidade social é uma forma de os educar para o desenvolvimento e para os valores. Uma forma, pois, de diminuir a indisciplina na escola e a delinquência na sociedade.

Sim à pessoa, não à posição! Eduquemos os jovens no sentido da justiça ou do respeito pela pessoa, não no sentido da posição ou da reverência para com os poderosos e distribuidores de favores. Enquanto as escolas e famílias pessoais promovem o desenvolvimento, as famílias e escolas posicionais dificultam-no.

Auto-estima: Estime-a, por favor!

Obedecer aos professores: Porquê? O respeito mútuo é mais justo e pedagógico do que o respeito unilateral exigido por alguns professores aos seus alunos.

Os professores também têm direitos! Não pensemos que temos de viver apenas para promover o desenvolvimento e a felicidade dos nossos alunos. A nossa felicidade de professores ajuda, não dificulta, a felicidade dos alunos.

Mais interacção, menos discurso! Se queremos que os nossos alunos não sejam alunos difíceis, falemos com eles, não falemos apenas para eles. Professores autoritários tendem a fazer discursos; professores competentes tendem a interagir com os seus alunos.

O enigma da criatividade: Decifrável? A criatividade não é um dom da natureza, nem algo só para os sobredotados. Todos os alunos são capazes de condutas criativas. Se estimularmos o seu sentido de competência, de auto-estima e de participação ajudá-los-emos a serem mais criativos.

Dever mas também aspiração! A escola fica aquém da sua missão quando educa só para o dever. Importa muito estimular os alunos a irem além do dever e a gostarem de alcançar padrões de excelência. Quanto mais a escola educa só para o dever, tanto mais confere títulos sem conteúdo. Ainda que sejam de mestre ou de doutor!..

Penso, logo educo! Os professores que não se limitam a pôr rótulos aos comportamentos negativos dos seus alunos, procurando antes compreender as situações que lhe dão origem, são professores perspectivistas, professores que, em geral, têm menos indisciplina e problemas de autoridade nas suas turmas.

Também tenho dúvidas! Educar para o desenvolvimento e para a responsabilidade é mostrar às crianças e aos jovens que fazer perguntas e ter dúvidas pode ser tão importante quanto dar respostas e ter certezas. Educação que não ensina a questionar é educação sem qualidade.

Educar para a paz. Educar para a justiça. Os outros também existem!
Todos, muitos e só eu! Uma forma competente de educar os alunos para a cidadania e responsabilidade é ajudá-las a ver que cada um de nós é, em muitos aspectos, igual a todos os outros: sentido de universalidade; semelhante a muitos outros, em vários pontos de vista: sentido de pertença e de comunidade; e diferente de todos os demais em questões de foro íntimo: sentido de individualidade.

O seu ao seu dono: amor, contexto e actividade. Para a criança se desenvolver precisa de ser amada, ter contextos ricos em quantidade e qualidade e liberdade para agir e para explorar o meio. Quanto mais estes aspectos estiverem presentes menos serão prováveis as crises de disciplina na escola.

É acreditar que estamos a preparar jovens para o futuro que, como há tempos li do nosso cientista Carvalho Rodrigues “é muito novo, porque é muito antigo, e vem em todos os livros sagrados: É que, um dia, nós, em vez de comunicar, vamos comungar. E nesse dia, o bem de um é o bem de todos, o mal de um será o mal de todos.”

A transformação das escolas em comunidades justas é uma das maneiras mais pedagógicas e humanas de lidar com a questão da crise de disciplina que parece ter invadido as famílias, as escolas e a sociedade. Tal transformação é fácil de referir mas difícil de incrementar.

Não cometamos o erro educacional fundamental! É melhor que a escola elogie o aluno quando se comporta bem do que o censure ou castigue quando se comporta mal. Achamos que a criança mais não faz que o seu dever quando se comporta bem, nada merecendo por isso, mas deve ser castigada quando se comporta mal.

Eu sou capaz!... É muito educativo que a família e a escola promovam o sentido de auto-eficácia da criança e do jovem. Se a escola e a família ouvirem a sua voz em problemas que lhes dizem respeito, ajudá-los-ão a ser mais autónomos, por um lado, e mais próximos dos colegas, pais e professores, por outro.

Educar para o perdão? Sim, mas é melhor educar para a justiça. Às vezes somos obrigados a pedir perdão sem ter feito mal nenhum!

Sim, mas ainda não! As crianças e os jovens também devem aprender a auto controlar-se, ou a perceber que não podem fazer e ter tudo o que gostam “agora e já”. Muita indisciplina e delinquência tem a ver com a ideia de que se pode ter quase tudo sem quase nada fazer.
Penso, mas também sinto! É importante que a escola eduque para a inteligência, literacia e razão (os chamados três “Rs”: “reading, writing e reasoning”), mas também para o afecto, intimidade e emoção (os três “Cs”: “care, concern e connection”).

Brincar também é importante!

Se a escola não fosse tão aborrecida; se na escola houvesse mais comunicação e afecto; se os professores forem modelos de coerência, auto-respeito e responsabilização…. Não haveria na escola tanta crise de disciplina; crises de disciplina, contudo, sempre as houve e haverá.

Bibliografia:
Lourenço, O. (1993). Crianças para o amanhã. Porto: Porto Editora.
Lourenço, O. (1996). Educar hoje crianças para o amanhã. Porto: Porto Editora.

6 comentários:

JMA disse...

Parabéns por este nascimento. Um espaço de partilha, reflexão, intervenção e interacção. Bons voos!

Raul Martins disse...

Obrigado pelo incentivo. Um pouco deste meu entusiasmo também é seu. Esta casa é sua casa, as janelas e as portas, que ajudou a abrir, estão sempre abertas. Foi uma honra tê-lo como meu primeiro visitante.

tsiwari disse...

Um espaço interessante e promissor.

Força!

Anónimo disse...

Boa noite! É esta a hora que tenho para me actualizar ultimamente. Espero que esteja tudo bem com o meu grande amigo!

Já vi que este é um inicio de um projecto que parece ter um futuro, no meio de uma vasta blogosfera.

Um grande abraço, professor!

Anónimo disse...

Caríssimo Raul

Esta questão da disciplina é-me muito cara, especialmente este ano, com todos os problemas que as turmas de 10º ano me têm trazido. Por isso, é-me difícil concordar em absoluto com muitas das recomendações por ti citadas. Curioso é que, até ao ano passado, concordaria com quase todas; agora, tenho que colocar alguns "mas". Mas isso é conversa para outra altura.

Um gandabraço do

Paulo

Raul Martins disse...

Olá Paulo!
Obrigado pela visita.
É evidente que há coisas que eu escrevi a partir do Orlando Lourenço que por vezes também tenho dificuldade em tornar prática efectiva. Mas sem dúvida que são desafios e itens para reflexão e para nos irmos confrontando sobre o como estamos com os alunos, como damos as aulas e até que ponto a nossa relação os ajuda a serem melhores pessoas. Já agora gostaria de saber quais as que colocarias um "mas".

Fui visitar o site do teu filho mais velho e fiquei encantando. Ele tem muito jeito para a escrita. Uma escrita diferente mas muito interessante. Vou lá voltar para ler algumas coisas e deixar um comentário.
Carpe diem!