E aqui fica o texto que referi acima:
O QUE ME MOVE
Move-me o amor pelos outros. Pelas pessoas concretas. Pelas pessoas que não são meros números que agravam o défice público. Pelas pessoas que pensam e sentem. Pelas pessoas que sofrem até ao limiar da noite. Pelas pessoas que cantam por entre o imenso ruído de um falatar interminável e vazio. Pelos professores doridos, exauridos, extenuados, vergados pelo peso insuportável de uma desumanidade inqualificável. Pelos alunos inquietos, perdidos, desnorteados, parados. E também pela sua avidez, o seu brilho no olhar, o desejo de aprender, e a gratificação que mostram por alguém os escutar, lhe dar vez e voz. Para além do que diz o decretodespachoportariatelefonemade umadirecçãogeralregionalqualquer. Pelos pais ausentes, perdidos num tempo que não compreendem (os não compreende), sempre em trânsito, em perda, em dissolução.
Move-me ainda o amor pelo conhecimento, pela educação, pela escola. O conhecimento, porque nos permite sair das ciladas, das aparências do senso-comum, da cepa torta de um atraso político insustentável, da miséria dos quotidianos acéfalos, das mentiras berradas como verdades únicas e oficiais. Porque nos permite afirmar a mais-valia da razão contra a força da imposição do dogma. Porque nos permite crescer em sabedoria e sapiência se lhe juntarmos a compaixão. A educação, porque, apesar dos seus inevitáveis limites, ela é ainda o ‘fogo dos deuses’ dado aos humanos para que eles consigam ver, e caminhar e agir e libertarem-se do vício da tirania. A escola, enfim, porque é a única casa civil de humanidade que possuímos no espaço social. O último reduto de esperança para milhões de portugueses.
Move-me a sede da justiça e a busca da verdade. E por isso a denúncia das arbitrariedades, das práticas que afirmam ‘eu sou a lei’ ou ‘eu estou acima da lei’, das prepotências e das arrogâncias mais próprias das ditaduras de todas as cores e feitios. A denúncia das mentiras descaradas, das meias verdades, das encenações mediáticas, das manipulações, do favoritismo e do proselitismo, graves doenças de um tempo agónico que perdeu quase toda a ética de serviço público. Embora com ele encha a boca.
Move-me a humildade de admitir o erro, o engano. A procura insistente de não confundir os actos com o sujeito que os praticou. E é por isso que nunca critiquei pessoalmente ninguém. Nem chamei nomes feios. Nem insultei. Porque o que me interessa são as ideias, as acções e os seus efeitos na realidade. Mais uma vez, as pessoas, primeiro.
Desde sempre, sem qualquer filiação partidária, sem dono próximo ou distante, sempre procurando pensar pela própria cabeça, sempre. E por isso, difícil fazer parte de qualquer grémio, corporação, igreja, rebanho. Marginal, portanto. Onde (quase) sempre estive e onde vou sendo. Na lenta, persistente, e às vezes, difícil construção de uma vertical identidade sempre inacabada.
José Matias Alves, in "Terrear".
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