Esta é a pedra de toque para toda a visão que Teresa de Ávila tem de Cristo:
Jesus, o homem.
A primeira qualificação fundamental de Cristo é a sua humanidade.
Em primeiro lugar, descobrimos que Teresa sofria por não conseguir perceber e representar a humanidade de Jesus: «Eu só podia pensar em Cristo como homem; mas, desta forma, nunca o pude representar em mim – por mais que lesse acerca da sua beleza ou visse as Suas imagens-, estava antes às escuras como um cego que, mesmo falando com uma pessoa e vendo que ela está presente (porque tem a certeza que está ali, digo que entende e crê que está ali».
Depois, foi mal orientada por alguns autores: «Isto de se apartar do corpóreo deve ser bom, pois muita gente tão espiritual o diz».
Cai na tentação de querer prescindir da humanidade de Cristo em nome de uma imersão mais profunda no divino: «Começando a ter algo de oração sobrenatural, digo de quietude, procurava desviar toda a coisa corpórea, mesmo que já não ousasse levantar a alma que – como era sempre tão ruim – via ser atrevimento; parecia-me, no entanto, sentir a presença de Deus».
Ajudada por espíritos iluminados dá-se rapidamente conta da «traição» que fez, mesmo que tenha sido por «ignorância», nos confrontos com Cristo, com Deus e com o homem.
Sai desta experiência negativa com uma lúcida e existencial consciência da impossibilidade de prescindir, numa vida autênticamente cristã, da consideração, que em termos teresianos indica precisão experiencial, da humanidade de Jesus, o modelo mais perfeito, que fala com a vida, mais do que com palavras. Tornando-se esta uma convicção fundamental para ela.
Teresa tem expressões vigorosas contra quem pensa que a humanidade de Cristo possa constituir um «impedimento» ou um «embaraço» na percepção da divindade. Chama a isto, pitorescamente, «andar a alma pelo ar». Sente de forma diferente e só o simples enfraquecimento da experiência da humanidade de Cristo basta para sair da comunhão com o Deus vivente.
«Cristo é muito bom amigo, porque o vemos Homem com fraquezas e trabalhos», sem se espantar da miséria humana, porque conhece a fragilidade da nossa natureza, e está quase «obrigado» a socorrer o homem, já que em definitiva: «Senhor, estais na terra e revestido dela, pois tendes a nossa natureza, e a parte que possuís parece obrigar-Vos a fazer-nos o bem».
Jesus, torna-se o centro da vida de Teresa e ela revela todo o fascínio pela Sua pessoa, pela Sua compreensão e bondade, pela sua originalidade de homem. Enamora-se pela Sua humanidade, Teresa faz de Jesus o fulcro da sua oração, o companheiro da sua vida, goza da sua amizade contraída com o género humano ao fazer-se homem, reconhece o dom da percepção da sua humanidade.
Este Jesus, vindo do céu à terra, é para Teresa uma fonte radical de libertação da humanidade, de uma vida genuína que vem devolvida ao homem a partir do assumir, da parte do Filho de Deus, toda a precariedade da existência, da pesada corporeidade e da história.
Jesus torna-se para ela o fundamento das mais profundas graças místicas. Mesmo nas mais elevadas percepções trinitárias, ela experimentará sempre a humanidade de Jesus.
Jesus, Deus verdadeiramente homem, Filho de Deus vivo, é o fulcro da sua profissão de fé, da sua experiência e da sua vida. Vê na incarnação a via de acesso ao mistério de Deus, porque através desta o homem é semelhante a Deus. Põe em relevo o que há de específico, que é ao mesmo tempo inefável, na figura de Cristo: que não está no facto de Deus ter assumido a humanidade, mas no ter-Se tornado totalmente homem, na plenitude completa de uma vida terrena partilhada em cada fase dolorosa, até à abnegação total na cruz.
A humanidade de Cristo é a única via pela qual Deus se comunica ao homem, «a porta» pela qual é preciso passar, «si queremos nos muestre la soberana Majestad grandes secretos», até chegar aos segredos mais recônditos de Deus.