«A essência do comportamento ético não
parece ter começado com os seres humanos. Há dados notáveis de estudos feitos em
aves (como os corvos), e em mamíferos (como os morcegos, os lobos e os
chimpanzés) que indicam claramente que espécies não humanos se parecem
comportar, aos nossos olhos sofisticados, de uma forma ética. Exibem simpatia,
apegamentos, embaraço e vergonha, orgulho dominante e humilde submissão. São
capazes de censurar e recompensar as acções de animais congéneres. Uma espécie
de morcego conhecido pelo nome de morcego vampiro consegue detectar aqueles que
fazem batota e trata também de os castigar. Os corvos fazem o mesmo. Exemplos de
comportamento ético são, como seria de esperar, ainda mais convincentes entre os
primatas e não se confinam de modo algum aos chimpanzés, os nossos parentes mais
chegados. Os macacos Rhesus comportam-se com outros de maneira altruísta. Numa
experiência notável executada por Robert Miller e discutida por Marc Hauser, os
macacos deixavam de puxar uma cadeia que lhes traria comida caso esse acto
fizesse com que um outro macaco recebesse um doloroso choque eléctrico. Em tais
circunstâncias, alguns macacos passaram horas e até dias sem comer. De forma bem
sugestiva, os animais mais susceptíveis de se comportarem de forma altruística
eram aqueles que tinham conhecimento social prévio do animal que receberia o
choque. Os macacos que noutras fases de experiência tinham eles mesmo recebido
choques, mostravam também maior probabilidade de se comportar de forma
altruísta. Não há qualquer dúvida de que o altruísmo não se confina aos seres
humanos. Este facto pode talvez desagradar aqueles que acreditam que a justiça é
um traço exclusivamente humano. Como se não bastasse que Copérnico nos tivesse
dito que não estamos no centro do universo, que Charles Darwin nos tivesse
informado de que temos origens bem humildes e de que Sigmund Freud nos tivesse
mostrado que não somos donos da nossa própria casa no que respeita à consciência
que temos dos nossos comportamentos, somos agora também obrigados a admitir que,
mesmo no domínio da ética, temos predecessores e somos
descendentes.»
(António Damásio in Ao Encontro de Espinoza)
(António Damásio in Ao Encontro de Espinoza)