quinta-feira, 17 de novembro de 2011

PAUZINHOS DE MARFIM!

Via "Contadores de Histórias." Uma boa "parábola" tendo em conta  os tempos que estamos a viver.

Conto do filósofo chinês Han Fei, oito séculos antes da nossa era.

Na China antiga, um jovem príncipe resolveu mandar fazer, de um pedaço de marfim muito valioso, um par de pauzinhos. Quando isto chegou ao conhecimento do rei seu pai, que era um homem muito sensato, este foi ter com ele e explicou-lhe:

— Não deves fazer isso, porque esse luxuoso par de pauzinhos pode levar-te à perdição!

O jovem príncipe ficou confuso. Não sabia se o pai falava a sério ou se estava a brincar. Mas o pai continuou:

— Quando tiveres os teus paus de marfim, verás que não ligam com a loiça de barro que usamos à mesa. Vais precisar de copos e tigelas de jade. Ora, as tigelas de jade e os paus de marfim não admitem iguarias grosseiras. Precisarás de cauda de elefante e fígado de leopardo. E quem tiver comido cauda de elefante e fígado de leopardo não vai contentar-se com vestes de cânhamo e uma casa simples e austera.

Irás precisar de fatos de seda e palácios sumptuosos. Ora, para teres tudo isto, vais arruinar as finanças do reino e os teus desejos nunca terão fim. Depressa cairás numa vida de luxo e de despesas sem limite. A desgraça irá atingir os nossos camponeses, e o reino afundar-se-á na ruína e desolação… Porque os teus paus de marfim fazem lembrar a estreita fissura no muro de uma fortaleza, que acaba por destruir toda a construção.
O jovem príncipe esqueceu o seu capricho e mais tarde veio a ser um monarca reputado pela sua grande sensatez.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

DEUS!

Gosto das pessoas simples,
- diz Deus –
E que fazem os outros felizes!



Chegara o momento de regressarmos e descermos a montanha. O sol-pôr já começava a fazer-se anunciar. Despedimo-nos do nosso Mestre.

Tínhamos já dado os primeiros passos em direção à aldeia quando resolvi interromper a marcha. Olhei para trás e disse ao Mestre:

- Amanhã, gostava que nos falasses de Deus.

Semi-serrou os olhos, esboçou um sorrindo e com um leve abanar de cabeça disse que sim e eu retomei o caminho com Áquila. Quando chegámos à aldeia, o sol já se tinha despedido e corria uma brisa fria. Fui para casa e nela entrei ao mesmo tempo que o meu pai. Fora a primeira vez que tal acontecera. O meu pai sempre chegou mais tarde do que eu. Sentamo-nos à lareira a conversar sobre o desenrolar do dia, enquanto a minha mãe acabava o ensopado de borrego e acompanhava a nossa conversa.

Depois do jantar, e de termos rezado ao ritmo das orações simples da minha mãe, foi tempo de repousar. Antes de viajar para a terra do sono e dos sonhos, o meu pensamento levou-me momentaneamente ao Mestre e a pensar na oportunidade que teria de o ouvir falar de Deus.

No dia seguinte, talvez fruto do cansaço do dia anterior, só acordei quando senti a voz de Áquila: - São horas. Levantei-me e salpiquei o rosto com água e não fiz as minhas habituais sopas de leite. Bebi de um trago o leite e levei o pão comigo para o comer durante o caminho. Quando íamos a sair, junto à soleira da porta, estava o cão do nosso velho Mestre, o “Lembrança” – ainda não sabíamos porque tinha esse nome. Áquila e eu olhamo-nos admirados por o vermos ali. Lembrança latiu, abanou a cauda e começou a caminhar.

– Será que nos quer levar a algum lado? Questionou Áquila.

- Não faço ideia… vamos segui-lo, - respondi ao meu amigo.

Assim o fizemos. O cão levou-nos em direção ao mar. Caminhou pela areia e levou-nos até junto a um grupo de pescadores que acabavam de arrumar as redes e se preparavam para ir vender o peixe no mercado.

- Olha o cão do Mestre da montanha! - disse Petrus, um dos mais experimentados pescadores. – Que fazem vocês aqui com ele? – perguntou.

- Ele é que nos trouxe até aqui… – fui explicando - íamos ter com o Mestre e encontramos o seu cão à soleira de minha casa. Resolvemos segui-lo e aqui estamos.

- Olhem, - disse Petrus, pegando em dois Robalos e embrulhando-os num pedaço de papel – levem estes peixes para o velho Mestre. Digam-lhe que fui eu lhos mandei.

Pegámos nos peixes e, antes de seguirmos viagem, ficámos ali por alguns minutos a apreciar a imensidão do mar, o vai e vem das ondas e o seu murmúrio suave. Estava calmo naquele dia. Até “Lembrança” parecia apreciar o mar.

De repente, “Lembrança” latiu e começou a andar. Seguimos atrás dele. Levou-nos pela rua da “Esperança” que desembocava no centro da Praça. Era dia do mercado mensal na aldeia. As pessoas iam de um lado para o outro, fazendo as suas compras, regateando preços. Enquanto passávamos pelas pessoas, umas cumprimentavam-nos, outras sorriam para nós e dirigiam-nos algumas palavras e outras quase que nem se apercebiam que passávamos por elas. Fomos sempre seguindo “Lembrança” que parou junto a um homem que estava sentado a pedir esmola. Não tinha um dos braços e parecia cego de um olho. Não o que conhecia e pelo semblante do rosto e o encolher de ombros de Áquila, percebi que ele também não. Mas “Lembrança” e ele pareciam ser “velhos” amigos. O homem acariciou o dorso de “Lembrança” que agradecia com um suave abanar da cauda. Nos breves momentos em que ali estivemos, algumas pessoas cumprimentaram o homem deixando algum dinheiro numa pequena lata que ele tinha ao seu lado; outras deixaram-lhe alimentos: pão, laranjas, peixe seco, batatas… Outros passavam e nada diziam nem nada faziam. Apenas passavam. Talvez não o conhecessem, como nós não o conhecíamos. E como era possível, vivermos naquela pequena aldeia e nunca nos termos apercebido do homem? De repente, “Lembrança” saltou para cima do homem e tombou-o. O homem riu-se sem parar e pegando na cabeça de “Lembrança”, abanou-a com carinho e disse: - Juízo, “Lembrança”, porta-te bem. O que ficarão a pensar estes teus amigos? – rematou, esboçando um sorriso de felicidade, dando uma esfregadela no focinho de “Lembrança” que, rodopiando, deu umas voltas a correr à volta do homem e retomou o caminho da montanha.

Quando chegámos ao sopé da montanha, “Lembrança” levou-nos por um trilho que nos era estranho. Ainda hesitámos em segui-lo quando o trilho nos guiou por meio de uma pequena mas densa zona de arbustos, e de tal maneira cerrada que só umas réstias de sol conseguiam ali penetrar, mas achamos por bem ir com ele. Depois de algum tempo, quase a meio da montanha, encontrámos o riacho e seguimos pela sua beira até que encontramos uma ermida que não conhecíamos ainda que tivéssemos ouvido falar dela. “Lembrança” parou e latiu. De dentro dela saiu o Mestre que nos cumprimentou e sentamo-nos numa pedra enorme que se entendia ao comprido perto da ermida.

- Viemos a este lugar onde está a ermida porque vamos falar de Deus? – Perguntou Áquila.

- Também, mas não só! - disse o Mestre, esboçando um largo sorriso. – Apenas porque daqui podemos apreciar esta magnífica paisagem. Olhem, – disse, apontando para o horizonte - vejam como a paisagem se estende muito para além do que os nossos olhos podem ver, o nosso coração sentir e os nossos ouvidos escutar; assim como existem muitas formas de ver, sentir e escutar a Deus.

- A ermida é pequena mas é bonita - disse-lhe. - Esta ermida, - continuou o velho Mestre - tem mais de cinco mil anos. Já a reconstruíram várias vezes, como várias foram as formas que foi ganhando. Já aqui adoraram, reza a história, uma deusa da antiguidade, depois deuses e agora é uma ermida dedicada a São Marão que certa vez aqui apareceu, a reconstruiu e a transformou em casa de oração. Tinha fama de ser um homem austero e viveu por estas montanhas durante muito tempo.

- Mas fala-nos de Deus, como combinado. – Disse-lhe.

- Eu sobre Deus quase nada sei. Já viajei por muitas paragens por esse mundo fora e muitas coisas ouvi sobre Deus. Houve quem me fizesse eloquentes discursos sobre Deus, outros que lutavam e matavam em nome de Deus; vi multidões que se juntavam para orar ao seu Deus como vi muitos outros que se resguardavam em locais como este para permanecerem em silêncio com Deus. Com todos eles aprendi um pouco sobre Deus mas continuo a saber muito pouco sobre Ele.

- Mas diz-nos o que sabes. – Insistiu Áquila.

- Deus é imensidão. Hoje não viram vocês o mar? Abanamos a cabeça afirmando que sim. – Somos capazes – foi dizendo – de compreender a sua grandeza? Podemos banhar-nos nele, apreciar a sua beleza, retirar dele sustento, sentir o seu poder mas nunca poderemos saber tudo o que ele encerra. É infinito, aos nossos olhos, o mar. Assim também Deus.

- Por onde passaram depois de irem ao mar? – Perguntou.

- Passamos pelo mercado, - respondeu Áquila.

Começámos a perceber que o percurso que fizéramos tinha um qualquer objetivo e não tinha sido um mero acaso.

- O que sentiram? – questionou mas continuou sem nos dar oportunidade de dizermos o que sentíramos. - Certamente houve quem vos olhasse, talvez vos sorrisse, talvez vos dirigisse alguma palavra, assim como outros passaram por vocês e nada disseram. Deus é imensidão mas vive no meio das pessoas, na sua mente, no seu coração e nos seus gestos. Só que muitos andam tão agitados como as pessoas que estavam no mercado que quase não se apercebem da Sua presença. Deus está sobretudo nos simples e nos que sofrem.

- Como o homem que não tinha um braço e que parece cego de um olho? – disse-lhe.

- Sim, o meu velho amigo “Emiliano”. E viram que gestos as pessoas tiveram com ele? – questionou-nos.

- Houve quem falasse com ele; quem lhe desse algum dinheiro, assim como outros lhe deram alimentos. – Respondeu Áquila.

- E outros que não se aperceberam dele nem lhe dirigiram palavra alguma. – Acrescentei.

- Talvez porque não o conheciam. Nós também não o conhecíamos. – Concluí.

Pois, - foi dizendo o Mestre – Deus muitas vezes está no meio de nós e está ao nosso lado e não nos apercebemos. Mas não é só nas pessoas que Deus se nos pode tornar presente. Também nos momentos mais obscuros da nossa vida - pois nem tudo é como queremos - Deus está presente e é como aqueles raios de luz que não deixaram de ser fazer sentir.. E Deus também se encontra no silêncio da natureza como neste espaço em que nos encontramos.

- E o Deus é o mesmo para todos? – perguntou Áquila. - É que há tempos passou um pregador pela aldeia a dizer que vinha falar-nos de um Deus diferente daquele em que acreditávamos na aldeia.

- Abeiremo-nos do pequeno riacho, – disse. – Áquila, - continuou – vai para o outro lado. E Áquila obedeceu ainda que não entendesse bem o que o Mestre queria. E dirigindo-se para mim, disse: - Ficas deste lado, à beirinha do riacho.

- Refresquem o vosso rosto com a água do riacho e bebam um pouco de água. - Ordenou e nós obedecemos.

- Podeis refrescar-vos e beber de lados diferentes do riacho, mas a água é a mesma. Podemos pensar e sentir Deus de maneiras diferentes, mas é o mesmo Deus; o Deus que me faz feliz a mim, também vos faz feliz a vós – foi dizendo. – Assim como a chuva cai no meu terreno, também cai no terreno do meu vizinho; o sol que ilumina o meu rosto, ilumina também o vosso. Deus é comunhão, comunicação, é abertura, nós é que Lhe fechamos muitas vezes a janela para que ele possa entrar – parou para refletir um pouco e continuou:

- Acredito que haja muitos pregadores que falam de que o seu Deus é que é verdadeiro, mas o que eu sei é que ninguém é domo da verdade e ninguém sabe tudo sobre Deus. O importante é que cada um respeite o caminho que cada um faz em busca de Deus; que acredite que o caminho que faz é o que entende ser melhor, respeitando o caminho que os outros seguem e que, ainda mais importante, - disse com mais que convicção – se respeite aqueles que dizem que não acreditam em Deus e que isso é apenas uma “invenção” do homem. Esses também estão a fazer o seu “caminho”. E esses “caminhos”, dos que acreditam em Deus, os homens denominaram-nos de “religiões”. Um antigo Mestre, com quem muito aprendi e que para sempre ficou no meu coração, uma vez disse-me: “As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto. Que importa seguirmos diferentes caminhos, desde que alcancemos a mesma meta?” Isso é que é importante – concluiu.

- Venham, - disse ainda o Mestre – venham ver algo que está escrito na entrada desta ermida. E ele leu-nos com a sua voz suave e doce o que estava escrito:

Gosto da pessoas simples,
- diz Deus –
E que fazem os outros felizes!

- E, - acrescentou o Mestre – mais importante do que as palavras que vos possa dizer de Deus, são os nossos gestos que devem falar de Deus. Entremos, - continuou – e rezemos juntos ao Deus da vida, do amor e da morte. E o Mestre rezou:

“Sobre ti, meu Deus e meu Pai,
eu quase nada sei;
só sei que em ti encontro paz.

Não sei se habitas o infinito dos céus,
nas profundezas do mar
ou no mais profundo da terra;
mas sei que estás no coração de cada um de nós.
Hoje, apenas Te peço que me protejas
e protejas estes meus amigos;
que saibamos encontrar-Te pelos caminhos que percorrermos
até ao dia em que habitaremos definitivamente o teu coração.”

E depois de uns breves momentos em silêncio saímos da ermida e “Lembrança” começou a ladrar e a encostar-se a mim, batendo com as suas patas na minha sacola. Eu sorri e percebi que ele queria lembrar-me que trazia comigo os peixes que Petrus nos tinha dado. Dei os peixes ao Mestre que os preparou e os cozinhamos numas brasas que fizemos com ramos secos que estavam espalhados por ali. Saboreamos o peixe com o naco de pão que guardara do pequeno almoço. Depois, despedimo-nos do Mestre e descemos para aldeia.
Enquanto descíamos a montanha, repeti para comigo: “De Deus, mais importante do que as palavras que possamos dizer, são os nossos gestos que devem falar de Deus.”

R.M. in “Luar e o seu Tesouro.”

O TESOURO!

O “garimpeiro” que tinha ficado hospedado em minha casa, partiu assim que a primavera se fez anunciar com o cantar dos primeiros pássaros e a neve já não se vislumbrava no alto das montanhas. – “Era a altura ideal para partir." Dissera quando se despediu, depois de pagar à minha mãe o que fora acordado no início do inverno para permanecer em nossa casa enquanto esperava pela primavera.
Enquanto esteve connosco, o “garimpeiro” falou-me dos seus sonhos de encontrar um tesouro, assinalado num mapa que me mostrou e que tinha encontrado, algures, numa das viagens que fizera por terras mais a sul. O mapa assinalava que o tesouro ficava para norte mas o seu desenho era muito confuso. Tentou convencer-me a partir com ele mas disse-lhe sempre que era ainda muito novo e que os meus pais precisavam de mim.

Mas o facto de não ter ido com o “garimpeiro” à procura do tesouro dos seus sonhos, não deixou de me inquietar. As palavras, “não queres partir comigo à procura do tesouro que está neste mapa”, que ele me dissera, assim como a imagem do mapa que ele tinha, não desapareciam da minha mente. Até a dormir, a imagem do garimpeiro, as suas palavras e o mapa, não deixavam a minha mente em paz.
À minha volta todos começaram a reparar no meu olhar inquieto e na tristeza que o meu rosto – diziam – fazia transparecer.
- Que se passa, Luar? Nunca te vi assim. Disse-me o meu amigo Áquila.
Expliquei-lhe o que se passava comigo mas ele não compreendia para que queria eu um tesouro. “Para viajar; conhecer novos mundos, comprar o que desejamos...” Ia-lhe dizendo mas não o convencia. Áquila, lembrou-se, então, que ouvira falar de um homem que vivia na montanha que ficava a oriente da aldeia – era a mais alta das montanhas que ali existia – e, dizia, era sábio e ajudava as pessoas que a ele recorriam a pedir ajuda e conselhos, ainda que ninguém soubesse bem onde morava. “Mora algures na montanha e só muito raramente descia à aldeia.”, era o que diziam.
E Áquila convenceu-me a procurar o tal sábio da montanha e prontamente disse que iria comigo. Resolvemos ir à sua procura na manhã seguinte. E assim foi. Com algum pão, um naco de presunto, algumas azeitonas e água, partimos logo que os primeiros raios da manhã surgiram.

Fomos subindo pela montanha, seguindo um trilho que existia à beira de um riacho que por ela serpenteava, apreciando o colorido das flores que começavam a despontar ao sabor do cantar dos pássaros que dançavam por ali, alegrando a nossa caminhada. Depois de termos subido durante algumas horas montanha acima, resolvemos sentar-nos à beira de uma laranjeira para retemperarmos as forças e comermos qualquer coisa. Quando nos preparávamos para retomar a caminhada, sentimos uns passos vindos do outro lado do riacho e notamos a presença de um homem já com uma certa idade que nos disse:
- Estava à vossa espera e já vi que se retemperavam da vossa viagem. Disse o velho homem.
Fiquei admirado. “Estava à nossa espera!” Como era possível? Saberia ele o que se passaria com a vida das pessoas? Seria um adivinho? Ter-lhe-iam dito que viriamos à sua procura? Não, ninguém lhe poderia ter dito que viríamos, pois só eu e Áquila sabíamos que o procurávamos. Foram mil e uma interrogações que de mim se apoderaram.
- Está tranquilo, Luar. Ainda bem que o teu amigo Áquila te trouxe até mim. Tens sorte de ter um amigo assim. Não faças com que o teu coração fique mais inquieto do que já está. Sossega! Disse o velho homem.
Sabia os nossos nomes! Será possível. Será que nos conheceu dalguma das vezes que desceu à aldeia? – Sossega o teu coração. Dizia para mim próprio. Olhei para ele com mais atenção e o seu olhar sereno apaziguou o meu coração.

- O teu olhar é sereno e o teu rosto é alegre. Disse-lhe.

- O meu olhar é sereno porque estou em paz e o meu rosto é alegre porque sou feliz. Respondeu.

- Mas não vive aqui sozinho? Perguntei-lhe.

- Tenho a companhia de tudo o que me rodeia na montanha. Tenho vivido por aqui os últimos anos da minha vida e aqui permanecerei até ao dia da minha partida para outras paragens para além das estrelas e do infinito azul do céu. Raras vezes desço à aldeia. Sou um peregrino das montanhas e é aqui que vivo feliz. Não quer dizer que não tenha tristezas e amarguras e que por vezes sofra, mas a alegria é mais saudável e a felicidade que temos dentro de nós é cada vez maior quando a partilhamos com outros. Vou confidenciar-te uma coisa: “o teu coração está dentro de ti, é teu e pode estar a sofrer alguma amargura; mas o teu rosto pertence aos outros: deve procurar transmitir alegria e paz.” Mas vamos ao que interessa. Fala-me do que está a ocupar a tua mente e o teu coração e que não te deixa estar em paz.
Não sabia como começar. Mas já não saberia ele tudo o que se passava comigo? Interrogava-me. Mas lá lhe contei a história do garimpeiro e do tesouro que ele queria descobrir e a minha tristeza por não ter partido com ele.
- Porque queres tu ir à procura de um tesouro se tens um dentro de ti? Porque procuras por outras paragens aquilo que está dentro de ti, e é o maior de todos os tesouros? Disse o velho homem.
- Tenho um tesouro dentro de mim? Não percebo o que queres dizer. Como posso ter, dentro de mim, um tesouro? Interpelei-o.
- Sim… Dentro de ti… Bem dentro de ti, tens o maior de todos os tesouros. Descobre-o… Pensa no amor dos que te rodeiam: os teus pais, a tua família, o teu amigo Áquila; pensa na liberdade… Na paz que respiras… Os dons que a vida te deu… Descobre tudo isso em ti. Não há maior tesouro. Foi dizendo. - E deixa-me dizer-te o mais importante: o tal tesouro que o garimpeiro partiu à descoberta, ligar-te-ia apenas ao que é temporário e passageiro; o tesouro que trazes bem dentro de ti, e se o souberes preservar, liga-te a tudo o que é eterno.
- O tesouro que poderia descobrir com o garimpeiro ligar-me-ia apenas ao que é temporário e passageiro; o tesouro que trago dentro de mim, se o souber preservar, liga-me a tudo o que é eterno. Repeti para comigo mesmo.

- Bem… Por hoje chega. Regressem à aldeia.
E foi assim que eu e o meu amigo Áquila conhecemos o velho homem da montanha a quem começamos a visitar quando queríamos e podíamos e o apelidamos de "Mestre".



R.M. in "Luar e o seu Tesouro"