Caro J.P.!
Sei que o teu final de dia hoje não foi fácil. Nada fácil, aliás.
Senti o quanto sofreste porque fizeste sofrer. E caro J.P., não podemos tratar os outros como se objectos fossem; brinquedos nas nossas mãos que deles fazemos o que queremos, como queremos e quando queremos. E muito menos quando essas pessoas são os nossos pais. Sei que o que disseste foi um momento menos feliz. Momentos que acontecem mas que não deveriam acontecer. As palavras depois de serem ditas, tornam-nos escravas delas. E muitas vezes as palavras são bem mais duras que o estalo ou um murro.
E lembrei-me de procurar um texto de um amigo, José Fernandes de Oliveira, mais conhecido por Padre Zézinho, tirado do seu livro "Se eu pudesse falar aos jovens", que eu adaptei ligeiramente e que te deixo aqui para reflectires, ou se quiseres, para reflectirmos juntos. Aqui fica:
"O amor dos pais não tem contabilidade... Ouviste?!...
O homem que é teu pai gastou, aproximadamente, dezoito anos voltado para ti, para o teu crescimento e para o que vai acontecer daqui por diante na tua vida jovem.
Faz um cálculo comigo:
10 horas de trabalhos no emprego, no caminho e em casa;
10 x 30: 300 horas por mês;
300 x 12: 3 600 horas por ano;
3 600 x 18: 64 800 horas de trabalho por ti.
Acrescenta a estas horas umas 12 000 a mais que ele passou preocupado contigo, enquanto crescias e precisavas de atenção.
O teu pai já deu cerca de 80 000 horas do seu tempo.
Em dinheiro então não se fala. Comida, roupa, remédios, alimentação espacial, diversão, mesadas, estudos, roupa, telefone, etc., etc., etc. Custaste muito, se realmente queres saber o quanto o teu pai já gastou contigo.
E a tua mãe então nem se fala. Nem sei se dará para contabilizar. O que ela te deu em matéria de tempo passa tranquilamente das 150 000 horas, pois a mãe costuma ficar quase 18 horas por dia com o filho quando ele é bebé e cerca de 10 horas na primeira infância... Horas que vão diminuindo na proporção do crescimento dos filhos.
Tu custaste muitas renúncias: ao baile, à televisão, ao cinema, aos passeios, a um vestido ou roupa nova; ao carro novo que o teu pai queria, ao sono, ao direito de se amarem, ao descanso e a mil outras coisas mais.
Em troca, os teus pais pedem relativamente pouco: que correspondas escolhendo bem os amigos, as amigas, a namorada, as diversões e coisas semelhantes, que chegues a casa a horas de forma a que não fiquem preocupados, já que passaram muitas horas e muitos anos dedicados única e exclusivamente ao teu crescimento. Que sejas moderado nas coisas que fazes e que dizes, que sejas respeitador e responsável, mas, sobretudo, que progridas nos estudos ou no trabalho. É muito pouco para quem te deu tanto.
Agora, apenas um conselho de amigo: Da próxima vez que disseres que os teus pais não te entendem e que estão ultrapassados; que os pais dos outros é que são bons pais porque deixam que os filhos façam tudo o que querem; que lhes dão tudo o que lhes pedem, não te esqueças desses pequenos pormenores que te apresentei.
Para os teus pais continuarás a custar muito pouco, porque o amor dos pais não tem contabilidade. Só o de filhos egoístas que às vezes, por não conseguirem fazer tudo o que queriam, costumam dizer que não pediram para nascer..."
Não me leves a mal. Foi o que me ocorreu de repente, pois nem sempre os pais têm toda a culpa. O egoísmo também ataca aos dezasseis, aos dezoito..."
Caro J.P., resta-me dizer que admirei o teu pedido de desculpas e o teu arrependimento, mas as coisas não se apagam como borracha que retira do papel palavras escritas. Que este percalço não se repita. O teus pais não merecem isso. Sofrem eles e sofres tu.
Fica bem. Amanhã virá um novo dia e com ele a esperança de novos horizontes.
E para que conheças a pessoa excepcional que escreveu as palavras que acima te deixei, deixo-te um pedacinho de um espectáculo dele: